sexta-feira, 13 de julho de 2018
Futuros primitivos na música
É relativamente fácil compartimentar em cabines a moda e a música de uma década, muito provavelmente porque quem analisa a analisa de fora, numa perspectiva paralela ao eixo, que ignora de fato a vivência na época... Ou, contrariando essa visão relativamente juvenil, específica da nova geração, nos encontramos em uma era em que nada - especialmente o pop massivo - parece suficientemente forte e distinto para se conectar num círculo estético.
Parte 1. Estilo, aquela coisa que controla a gente:
Estética é muito mais que imagem: ela é, sinergicamente, conceito e aplicação de sensos unidos. A música não é nada desacompanhada de um fashionismo, que certamente perde sua força se destacado de uma narrativa - documental quanto ficcional. A questão é que, coerente ou não, a efígie de uma idade existe por si só, denotativa às tendências e personalidades destemidas. Sobretudo, princípios plásticos não nascem do nada, por acaso ou meramente prontos, mas se fazem construídos por uma série de valores que podem ou não emergir para o mainstream e se tornarem verdadeiramente populares e expansivos (ainda que afirmem o contrário).
Nesta década (que ironicamente conta pelo menos duas dúzias de anos) tivemos proeminentes ideias que não se concretizaram ou, pelo qual andamos ao fim do circuito temporal, estão em processo de aperfeiçoamento. São os futuros primitivos: fetos abstratos cujas pequenas aparições midiáticas vão se agregando a fim de formar um gigante de partículas.
Parte 2. O que temos no cardápio:
O primeiro vulto de raciocínio que vem de 2010 para o hoje é a tríade peculiar que bate e volta sem formar elos duradouros, que contudo vingou aberrativamente no gosto (e no fim) da fase dos blogs rs: a neofuturista e obsoleta caverna computacional de Seapunk, Vaporwave e PC Music. Esses três corpos compartilham uma mesma base vinda do Cyberpunk: um futuro aquém na diegética contemporânea. Com isso, gráficos low-poly, gravações de baixa fidelidade, cores ultrassaturadas e muito DIY duelam entre o throwback distópico e o (indutor de orgasmos artísticos) retrofuturismo.
[Parênteses]
Retrofuturismo é um termo das artes plásticas que agora tem ganhado notoriedade na indústria fonográfica (de 0 a 100 em 3 segundos, já que abertamente tomou pauta na fala de artistas importantes, feito HyunA e Janelle Monáe). Ele engloba essa ideia de algo novo criado com as vestes de um passado íntimo, tal qual a visão de futuro que as pessoas tinham em determinada época e destoam do futuro que nos pertence; porém agora aplicado a uma criação sensorial própria e não somente uma análise crítica e antropológica dos logos literários e gráficos de uma época na história.
Isso é totalmente diferente de um throwback (e cabem aqui muitíssimos combates sobre a competência e invencibilidade do retrô), que emula os pormenores de um período na intenção de se misturar a ele (mesmo com recursos atuais que são quase impossíveis de serem ignorados e seus pendentes processos de pós-produção para envelhecer um produto) e principalmente diferente a um tempo hermético narrativo, que é uma experiência complexamente nova para discutir: PC Music sem sombra de dúvidas está ligado a um retrofuturismo por conta da carga crítica à indústria fonográfica atual e a proposta de ser redondamente diferente do resto, enquanto cria raízes no mainstream (veja, por exemplo, a excitação e logística por trás dos lançamentos de Chali XCX pós-Sucker: um novo pop, o futuro do pop). Só que podemos chamar Vaporwave de retrofuturismo também? A imaterialidade por trás da subcultura é tão presa a um nicho (como é, por exemplo, no mundo da moda, a cultura Decora de Harajuku) que ela ganha um tempo próprio existente em sua diegese e certamente longe das noções de tempo e espaço do que entendemos por realidade comum.
Enquanto isso, Seapunk fica preso entre um e outro, num muro que ninguém sabe direito como derrubar: como o macromovimento punk, ele é destacado por si da naturalidade social, ao mesmo tempo em que está muito ligado à mídia contemporânea, só que com aquela pegada óssea do passado. É a proposta por trás de Treasure Island, de Azealia Banks, na qual, enquanto é impossivelmente beachwave, dialoga com o fluxo dos anos 90 numa construção de agora, de modo a resultar na dialética do além-época.
Azealia Banks, por sinal, é o carro-chefe da popularização do Seapunk, em que grande parte do que a gente entende de estética kitsch do mar vem de Atlantis e Fantasea, nada perto do conceito vigorado pelos criadores e simpatizantes primários. Essa é outra fábula legal de se incluir na generalização constitucional de um nó estilístico: o conceito, quando aplicado e expandido, tende a mudar e criar subgêneros* da subcultura, que fomentam o axioma da cultura total. [/parênteses]
Longe disso, temos muitas minúsculas tendências surgindo e desaparecendo, predominantemente no áudio, como galhos de maxi-gêneros existentes junto ao processo melódico moderno, de sintetizadores e batidas rápidas: os future+alguma coisa caem bem à sentença, raspando a ética Vaporwave com sonoplastia e diretrizes poeticamente autorais para se fazerem seus. Há neles um crescimento tão dilatado que compôs uma micro-indústria dentro do mercado musical, sendo notificável, por exemplo, o glamoroso em solidão canal Artzie Music, que carrega um exército de amadores-e-competentes compositores desses gêneros anacrônicos (com muitos loopings de animes que parecem ótimos, todavia ninguém da geração Z era gente quando passaram na tevê).
Não é difícil de concluir, portanto, que a charola seria fagocitada pela massa, banhando controversos entendimentos feito o single Lady (淑女), da ex-Wonder Girls Yubin - que a gente passa um pano pelas boas memórias, contudo sabe que no fundo é plenamente safe e objetivo às órfãs de REBOOT.
Gêneros de corpus neo significam, no leitinho pasteurizado da definição, aperfeiçoamento de moldes muito característicos. Acabam, por facilidade de regra, sendo inclusos aos chamados subgêneros, *extensões de particularidades conjecturais de um estilo, que reformam a sonografia sem fugir de seu eixo principal. O mesmo se aplica ao sub em subcultura, entretanto em dimensões ressalientes. O engraçado da generalização neo é que essas especificidades trabalhadas são tão insignificantes perto da placa de ágar-ágar do modelo completo que acaba exigindo uma obrigatoriedade de renomeamento para poderem surgir novos enxertos do gênero. Future, pois, é nada mais que um apelido para neo. A fortificação do gênero espalha essa graça para uma piada ainda mais infame, já que, de future em future, vira genérico novamente e pede nova etiqueta. É a burocracia de rótulo que só é possível de existir por estarmos conversando sobre empresa. Música é produto e produto é majoritariamente categorizado pela economia e simpático aos outros tantos sensos composicionais.
Big picturizando a situação, Tropical house, Techno Brega, Dubstep etc. também são galhos de árvores maiores, que abraçam essa conversa por ganharem momentum e novos lugares de fala na contemporaneidade, independentemente da onipresença de seu núcleo. É, por exemplo, o minimalismo aplicado ao creme artístico da indústria do R&B, Eletrônica e Hip Hop, que resultaram em joias como A Seat At The Table, de Solange.
A métrica de gênero é ainda tão peculiar que às vezes nomes carregam estilos tão intimistas que é difícil serem desassociados. É o motivo por trás de entendermos uma produção de Nakata ou Arca como sendo deles, sem ter de olhar para a trilha de compositores; ou como o Deep House (e satélites) de LDN Noise está na estratosfera em comparação aos mesmos ritmos acorrentados a outros compositores.
Parte 3. Tá: de onde surgem esses prenúncios do apocalipse?
No geral isso é aplicado ao que é criado de fora e internalizado pelo grande negócio. O contrário tende a ser reduzido pelas próprias regras de compreensão global do público (a menos que a marca seja tão expressiva que engula a margem de qualidade e razoabilidade da peça, como é o caso de Rihanna em ANTI, Anitta no fim de 2017 ou, risos, Twice), porque funciona como complexos empresariais, dos quais os produtos devem exprimir valor artístico se, somente se, este contribuir para a entrelinha de valor e precisão do produto.
Isso é longe de ser uma crítica, se aplicando como conversa procedural. Sempre retornaremos à chatice do choque de realidade de que arte, sobretudo obra sequencial, é produto. Quanto mais pop, ou seja, popular, o produto é, maior carcaça de gente deve atingir. Deve ser inteligível para todo mundo, o que não significa compreender a capacidade de interpretação dos consumidores como diminutiva, mas, por facilidade, inclinar-se a uma redução para acessar a todos. É mais fácil obter um produto final (sem conceitualismo expressivo por trás) quando a matéria prima não precisa passar por processos de lapidação para mudar sua estrutura químico-física. Nesta réplica, o bruto passa á ser mais simples que o refinado, feito encontrar grafite como grafite ou encontrar grafite para extrair um diamante. Não somente, ingressamos com força em pelo menos um trio de gerações seguidas extremamente preguiçosa. Tome por exemplo quaisquer ídolos que possuam prosa por trás da escolha de seus estilos, como LOONA ou BTS no kpop e, virando os pólos, Björk e iamamiwhoami.
O grande desafio desses (e olho diretamente para o kpop, que visa embarcar um público muito mais jovem em seus botes infláveis) é dar mistério o suficiente para criar suspense - e colocações, uniões e divulgação por seus torcedores ao publicar suas divagações -, no entanto sem obscurecer a ponto de que seja necessário mastigar o conceito. As pessoas querem o bolo servido em mãos, só que não o bolo todo, porque se comerem demais ficarão cheios e irão embora da festa.
Essas colocações tomam outros ornamentos na prática, ao obrigarem produtores artísticos a pensarem seus pensamentos (o verdadeiro exercício Homo Sapiens Sapiens) de modo a facilitar e dificultar de forma proporcional para a receita vingar. É por isso que muitas bizarrices acontecem - e são proporcionalmente atípicas de se contornar - na explicação das escolhas de um grupo. Automatic e Ice Cream Cake de Red Velvet poderiam ser chocantes (como é, para muitos, Where Are You? e I LIKE IT do CLC), porque para uma temos a resposta genérica de que contêm dois lados: Red, explosivo e colorido; Velvet, suave e denso. Ao passo em que CLC deveria ser transparente como cristal. Trazer todo semestre bombas dualísticas quebram o imaginário do público, que não consegue sair do passo gramatical apresentado primeiramente. Se a minhoquinha não é mastigada pelo passarinho, o filhote não come.
Parte 4. Onde é que chegamos com isso?
Resposta: a lugar algum.
A verdade é que essa conversa toda surgiu com a única intenção de declarar meu amor pelo - que certamente não irá para frente - pop+punk da inglesa GIRLI, com o melhor do arquétipo social antiquado de feminilidade (rosa, muito rosa) e autorialismo, amadorismo e discursos empoderado com muitas colheres espevitadas. É uma daquelas coisas tão embrionárias que mesmo com um crescimento exponencial fica difícil de entender, no agora, como vinculará a grandes acontecimentos, gêneros e sublocações artísticas no espaço sônico; o êxtase do microcosmo popunk vem da necessidade do consumidor de comprar o que é militante, que desabrocha em muito parecidos mundos diferentes: do também assanhado, rosa e energético girl crush que grupos como BLACKPINK expõem na tela aos catárticos e apocalípticos dedos no cy e guitar hero de GFOTY, parte da PC Music, que abre essa matéria.
GIRLI pode ter aparecido nos últimos segundos de conclusão, porém não deixa de agarrar com sabedoria seu espaço dedicado. Com muitos panos que podem sair daqui, esse é um grande resumão de (minha) opinião e visão extremista sobre as aplicações estéticas da modernidade audiovisual, como também pinceladas por nomes e explicativas dos múltiplos planetas que fazem parte da elaboração de peças plásticas. Agradecimentos especiais ao fervoroso Majinkis (@tbdns) por participar de horripilantes e gigantescas conversas no twitter (@gnhlmt : o meu mesmo, porque eu sou o blog), em que muitas dessas coisas foram engessadas de tanto falatório meu por lá.
Caso você goste, espírito que assombra esse blog, de coisas relativamente curtas (em face a esse pão infinito de texto) e que não demorem 33 semestres para serem publicadas, passe no Twitter e puxe qualquer bico de conversa com memes horríveis. Não esqueça de deixar todo seu amor, sua discordância e seu repertório nessa coisa estranha que tem tomado a forma de um jornal (e possivelmente seja recebido com muitos ataques porque não temos parâmetros).
De olho, 👁👁
GUNHELMET
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Quem dera as preguiçosas gerações paralelas se unissem para provar o contrário à sociedade que sabem ler e interpretar textos (respectivamente) não tivéssemos uma nova forma de comunicar ideias e conceitos...
ResponderExcluirMe sinto honrado de participar da nota de rodapé!
Todas nossas conversas se tornarão postes nessa bagunça. Minha meta é lucrar às suas custas 🙈
ResponderExcluir*desativando o adblock do opera*
Excluir(percebendo que meu comentário anterior não tem o MINIMO sentido)
Sei nem editar o post. Cê acha mesmo que vou saber ganhar dinheiro com essa bagunça? risos risos risos
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