A música brasileira sempre esteve situada como pomar de delícias para a cena internacional, que tende a colher os frutos e nos deixar com galhos secos ao não vocalizar nossos criadores ou nossa cultura, por isso tem um gosto imensamente satisfatório que essa colaboração seja feita com NMIXX, um dos poucos grupos a anteriormente ter integrado funk de maneira genuína (ou o mais intencionalmente possível) em seu catálogo. Isso na verdade não é estranho para a empresa criativa por trás do grupo, já que JYP Entertainment, datando a separação do grupo miss A, se mostrou particularmente amistosa em expandir e evidenciar gêneros e artistas (com interesse especial aos independentes e alternativos) na assinatura de seus conjuntos.
É importante frisar
que este lançamento parte de Vittar e por isso o tom naturalista de
brincar com a língua e som pertencentes ao Brasil sem alienar a
companhia envolvida, o que de forma alguma anula o histórico ou os
elogios a serem tecidos para o acontecimento e evidencia duas formas
de abraçamento na produção: a intencionalidade de NMIXX para a
música e a permissão da imagem de Pabllo Vittar diante da hostilidade
midiática sul-coreana.
Identidade é termo
extremamente abrangente quando falado do mundo da performance, porque
a atuação de cada pessoa é por si individual, mesmo quando
aproximada ou mimetizada a outra pessoa. É por isso que covers
musicais podem ser experiências bastante elegantes quando agregam ou
desfazem particularidades das canções originais. Neste caso,
identidade vale para a produção como um todo. Ela é capaz de
representar e individuar aqueles que a gravam?
MEXE resolve este
impasse ao trazer um certo carinho de incluir a presença do NMIXX sem fazer questão de se tornar mais do grupo do que de Vittar. A
letra da música é fundamentada em uma ambiguidade referencial no
qual Mexer e Misturar serve tanto para enfatizar as ações da música
e seu ritmo (o ânimo, a coreografia, a mixagem) quanto para fazer
uma chamada ao que e quem são NMIXX, sem obrigar ao ouvinte ter
conhecimento prévio. Essa construção é inteligente por manter as
rédeas do principal público-alvo destinado pela canção. A música
é bem direta em termos de estilo e gênero, com o grande trunfo de
justamente transportar a espacialidade do grupo o trazendo para o
Brasil, com confetes líricos em português e o charme de uma
estrutura, o electrofunk, que não é do pop sul-coreano. É
interessante posicionar isso porque o kpop em si não tem muita
identidade sonora ou visual. Está mais ligado ao refinamento dos
resultados do que à individuação estilística. Por outro lado, a
música brasileira é mais sobre estilo do que polidez. Artistas com
diferentes orçamentos, equipes e históricos entregam ao mesmo
momento intensa qualidade em vastos graus de polimento, porque
reflete a diversidade da nossa indústria – da gambiarra à alta
sociedade – sem questionar o artístico da obra e seus
participantes.
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Capa do single MEXE. Fonte: ML Genius Holdings, LLC. Disponível em: https://genius.com/Pabllo-vittar-and-nmixx-mexe-lyrics. Acesso em: 04 set. 2025. |
Equidistante, a comunhão entre um grupo de grande escalão com uma artista Drag
Queen é ainda mais impressionante visto o histórico dos
conglomerados sul-coreanos de usar a pauta feminina, LGBTQ+ e
erotismo para gerar discurso e eventualmente invisibilizar as
referências que encorpam o vocabulário criativo da produção
quando a apreensão pública implode em intolerância. Mesmo JYP
Entertainment tem uma relação de não saber lidar com esse choque
reativo, como na tentativa de desaparecer com a má recepção de
Fantasy, da cantora Fei, em que a sensualidade impressa no clipe e
coreografia circulou em repúdio inflado na esfera crítica. É até
curioso de se pensar que toda a melhoria de direção criativa da
empresa parece ter vindo justamente com o fim do miss A. Com MEXE não
tem como fugir e talvez isso demonstre a responsabilidade que faltou
anteriormente na empresa. É a colaboração como um todo, salientada
pelas coxas de avestruz de Pabllo Vittar emolduradas por uma
microssaia. Embora o Brasil não seja exatamente o contraste esperado
para esta conversa, há uma significativa censura sul-coreana que
afeta a aprovação que projetos como este saiam do papel e se
perdurem nos holofotes.
O ouvinte brasileiro
não precisa conhecer NMIXX para se envolver com a música e isso é
particularmente expressivo para a capacidade das músicas de Pabllo fermentarem o gosto público até chegar a época das grandes
comemorações de fim de ano, férias e Carnaval, enquanto abre
portas para a audiência exterior consumir suas criações. MEXE consegue atender as cartadas diplomáticas exigidas por essa
parceria, com o caráter cômico de adicionar mais um título para o
currículo da Drag Queen, que além de global, indie, alt, brega,
funk e pop, também é idol e está pronta para receber uma
página detalhando o tipo sanguíneo e a personalidade Myers-Briggs
na plataforma Amino. Agora trate de usar o videoclipe como inspiração
e vá malhar as suas pernas!
MEXE (2025) - Pabllo Vittar, NMIXX | MTDRSprós.: carismático e diplomático.
cons.: música minúscula, deixando o pressentimento de que o 7º álbum de Pabllo Vittar terá 12 minutos de duração.
★★★★☆ 4/5
👍
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