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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Baba Baby, CHUNG HA cresceu - e quer que você saiba que não só de verão e luau vive sua carreira

A carreira de CHUNG HA não está mais atada às incertezas iniciantes: apesar do pouco tempo, a pouca idade e a modesta discografia, a solista é aclamada e esperada no círculo musical coreano. Por fugir da expectativa de gigantescos e atropelantes grupos gerados após a primeira temporada de Produce 101, o coeso e pouco competitivo espaço entre vocalistas unitárias abraçou por completo o som juvenil, sensual e completamente cravado nas burlescas tendências do dance eletrônico.

Entretanto, a trindade de singles desbravadores têm uma nota de sabor comum: eles todos celebram uma jovialidade despretensiosa (completamente plausível para os ritmos dançantes que concordam) que, embora apreciados pelo público, momentaneamente poderiam dar partida a uma descredibilização da carreira construída. No necessitado rearranjo de cenários, o último lançamento da cantora, Gotta Go (벌써 12시), inicia o ano marcando a ferrete sua maturação de imagem, de forma a fazer você, espectador, levar a sério o trabalho que está sendo entregue.
Existe uma semelhança um tanto peculiar entre a carreira de artistas e a fórmula de narrativas da literatura: para o intérprete se tornar herói, deve haver um ponto de transposição de valores normalmente montado por um evento muitíssimo trágico que obriga o protagonista a lidar com responsabilidade por suas ações. É como o tio de Peter Park morrendo pela negligência do herói  e trazendo à tona a elucidação ética de que seu poder tem consequências e deve se voltar para atos benevolentes.

Parte 1. Arquitetando a credibilidade de um ídolo

No mundo da música, esse monomito - termo cunhado pelo antropólogo novaiorquino Joseph Campbell no livro O Herói de Mil Faces, de 1949 - não é derivadamente cáustico como requerem estórias, por demanda de uma não regularidade conceptiva trajada aos artistas, contudo está socialmente presente para afirmar decisões que validem a existência do signo cultural expresso. Num geral, a função desse tipo de ilustração narrativa - que comentamos como direção artística - é naturalizar o que se quer vender para o público sob o uso de associações multimídias.

O aforismo cômico "O que separa o atrevido do inocente, no pop coreano, é a saia branca plissada", imensamente difundido pelos comentaristas no blog Asian Mixtape, resume aguçadamente a ideia de que nosso senso comum liga valores de moralidade a espectros imagéticos - e assume, por exemplo, que sexualizações indiretas, quando mergulhadas nessas semióticas, são menos puníveis (ou, em algum sentido: mais éticas) socialmente. Esse é o tema central daquela afirmação perturbadora do produtor da série Produce 101 - completamente pertencente a esse tópico -, no qual a intenção do reality era promover uma pornografia saudável para a tevê coreana.

Apesar de existirem muitos nuances a serem considerados nesse entorno (com resultante social sempre obtusa), como a proibição geral de conteúdo pornográfico em solo coreano, essa é uma declaração particularmente honesta sobre a função narrativa embutida em todo formato de mídia.Texto (e inserimos aqui a amplitude da imagem, som, verbo...) exerce alguma intenção receptora que em plano aberto significa decodificar um signo social. Os casos extremos como esse são formas de assegurarmos nitidamente essas manipulações construídas através da montagem, que também se apresentam em diferentes opacidades e maneiras para definir e naturalizar outros comportamentos.

O cosmo reunido por Gotta Go expressa uma mensagem e o faz de maneira inteligente: há, indiretamente, a apreensão de um episódico Coming Of Age Ceremony, a enfatização do amadurecimento amplamente expresso na cultura asiática. O nome do evento, por si, já é altamente conferenciável ao que logo se imagina a faixa homônima de Park Ji Yoon e seu prognóstico da versão mídia-pop-musical da transição para a idade adulta. Seu legado inclui diferentes interpretações dos arquétipos estipulados de maneira igualmente marcantes na fonografia coreana, dosado às presenciais ou espectrais aparições em temas, composições e modas de produção artística que enfocam a abstração da seriedade, por infinitas combinações singularmente alegóricas para serem, a partir de seus lançamentos, efígies autônomas para bibliografarem referências. 

A filosofia da maturidade vem de muitas maneiras, que abrem portas para inúmeras conversas de estigmas culturais discriminados por uma sociedade. Há lapidações do signo (e de seu próprio englobamento de criação) para reinterpretar essas ideias, campo minado confuso-mas-bem-vindo no mundo das artes. A idade adulta é encontrada por complexas decisões ideológicas que são muitas vezes taxadas de uma desconfiante antítese.


O videoclipe de Coming Of Age Ceremony marca essa era do indivíduo como uma libertação, enquanto também contrasta as imagens com tensões de vulnerabilidade. O mesmo passa na marcante faixa-título do primeiro mini-álbum do grupo SISTAR, Alone (2012), ou pelo emblemático traje de duas peças de Something, de GIRL'S DAY (2014), que contemplam diretamente a obra de Ji Yoon, mas também à frente na troca de expectativas com a brumosa BABE (2017), de uma crua HyunA prestes a entrar em reveladoras e controversas mudanças de turno, relacionamentos e - pasmem - humanidade que, quando realizadas, afasta o público do ídolo.

Esse é um tempero importante que todas essas músicas e grande parte da expressão maturativa procura passar: adicionar à narrativa do artista uma receptividade. Uma das entrelinhas do arquétipo de experiência é reconhecer, às suas responsabilidades, as falhas e incapacidades do indivíduo como ser humano. Jovialidade é associada ao impetuoso, ações irresponsáveis, velozes e precipitadas - com paletas de cores quentes e vibrantes que contrastam com o tempo, a reflexão e o planejamento que borbulham no que interpretamos como a sabedoria vinda pela vivência. Na construção de uma persona artística (e sintam-se livres para imaginar essa montagem de maneira literal), é necessário balancear a inacessibilidade com graus de empatia. Mesmo que na prática apenas a fantasia funciona (e o caso HyunA-E'Dawn é exatamente a ilustração da incoerência pública), esse apelo gráfico é preciso para fornecer à diegese do ídolo a valorização de seu feito artístico. É algo íntimo e pessoal que deve se prestar atenção.


Gotta Go é milimetricamente tecido com essa intenção, em que mesmo a figuração prega peças importantes na compreensão da ideia. A iluminação barroca e as tonalidades escuras de imediato batem contra nossa primeira assimilação do trabalho de CHUNG HA, imerso em cores vivas e sabores veraneios. O clipe se passa todo em ambientes fechados - locações e estúdio - e isso também é um ponto notavelmente contrário à expressão liberta e recreativa da estação do calor. A transição entre esses dois polos é feito na sintática esperta de uma gravura emoldurada de cachoeira logo atrás da vocalista na cena que abre o videoclipe.

Em movimento, numa daquelas loucuras cinematográficas criativas, o cenário do lado de fora é preso nas comportas de um quadro, que carrega a ficcionalidade do dispositivo. O que é livre, pois, está preso - e muito conta sobre o tom descrito na canção. Essa cena reúne uma série de símbolos que devem ser superados para o encontro da maturidade - stilettos coloridos, uma boneca, uma bomboneira de metal, óculos de sol e até mesmo uma bola de cristal associada ao misticismo em Why Don't You Know (feat. Nucksal) (2017). Tudo isso é deixado para trás na própria execução do cenário que se afasta junto com a personagem. É algo para derrotar pela renovação do crescimento.


A canção também usa de ideias contraditórias para atingir sua mensagem, em que a tragédia - que muito compreende o aspecto ciaroscuro do vídeo - é contada com referências a contos de fada, como o uso constante da mudança da meia noite durante os refrões, mimetizando o clássico Cinderela, de Charles Perrault. Como no livro, o arco da transformação é visto aqui como o cume psicológico de reconhecimento, sob a urgência do tempo limite do badalar de um novo dia pelo relógio. O clássico tem em seu clímax a revelação da verdadeira natureza de Cinderela - plebeia, serviçal e presa na labuta injusta de sua família cruel -, que aqui é incorporado como a elucidação da fragilidade da artista no desenlace da música, pelo qual a bridge - que arremata o auge e finaliza a cantiga - é iniciada na alegoria de CHUNG HA passar pela porta em direção à luz e revelar, assim, que não quer estar sozinha.

Parte 2. Superando a Síndrome do Verão Eterno (SISTAR ver.)

Um dos principais motores para a publicação dessa (phew) extensa matéria sobre absolutamente nada foi a comemoração interna da carreira de CHUNG HA estar saindo da sólida e safa manjedoura estilística: suprir a lacuna de músicas para o torpor vacante da temporada mais quente.



Gotta Go está legitimamente longe, por exemplo, de Love U (2018), porém transita bem pela assinatura tropical emulada até então pela artista. Como mudança de passo, existe uma transição amena que é muito bem-vinda numa discografia planejada, aproximando o público dos próximos experimentalismos da artista. A faixa é assinada pelo duo de produtores Black Eyed Pilseung, que garante em sua esteira de produções uma coerência entre singularidade do artista com o bom uso da moda do momento. Enquanto seu catálogo tem uma gravura própria, ele também é derivadamente único para cada artista, como a ótima trindade inicial do grupo TWICE - com bons usos dos carismas de suas participantes - e a espetacular modernização de curso de APink, que elevou com naturalidade sua já encorpada discografia nas  mordazes I'm So Sick (2018) e %% (2019).

Esse tipo de acerto não necessariamente significa uma composição personalizada, todavia uma formulação toyotista (de produção enxuta) em que princípios de reconhecimento fomentam a curadoria efetiva do duo para entregar a seus talentos peças reconhecíveis. Sobre CHUNG HA, em exatidão, muito ajuda que a familiaridade sonora esteja presente desde o início da carreira - e o som, eventualmente, mesclou-se à nossa percepção de identidade. O registro da vocalista é engessado ao eletrodance tropical, que não deixa de aparecer no lançamento: Gotta Go, sendo um ponto de mudança, sabiamente carrega sobretons tropicais submersos em uma tonalidade madura. Ele não é o holofote, contudo dá as caras nas percussões dos momentos de destaques da trilha e nos teclados sintetizados nas pontes entre os versos.

É sábio o teor transitante da faixa, que abre espaço para eventuais mudanças de gênero - que inclui a possibilidade de tempos mais lentos e todo o catálogo de especificidades das outras estações do ano -, porém sempre o retorno safo ao que semanticamente esperamos que seja lançado pela solista. Especulando, pode-se dizer que os principais acordes da faixa lembram escalas sarracenas - padrões de músicas associadas ao médio oriente -, que é uma escolha orgânica de ascensão ao gênero.



Pensando nisso, é consciente assimilar a música a outros episódios recentes de sucesso, como SOLO (2018), da BLACKPINK JENNIE e HANN (2018), de (G)I-DLE - com capitulares a todo vapor -, que minimamente destoam da panqueca de lançamentos tropicais enquanto são rememorantes, por se focarem nesse pequeno e despontante nicho desértico. Vale dizer que quando bem feito, mesmo o ultrarreciclado é abraçado com ânimo pelo público, em que a metamorfose panicat de CHUNG HA em Why Don't You Know (2017) ou Love U (2018) são suficientemente sólidas para divertirem o consumidor.

Esse tipo de composição mostra o que se pode encruzilhar a partir de um ponto comum: o tropical house. Faz o porquê desse produto requerer uma análise tão minuciosa, muito também do valor que a separa de um som genérico rebatido no cenário musical, sucedido automaticamente através de fãs robóticos e reciprocidade de identificação, que são prospectos comuns do mercado mainstream da música. Há muita arte e trabalhos promissores vindos da massa doméstica, que devem ser tão criticamente exaltados quanto o suporte alternativo segregado. Enquanto um é desvalorizado por sua diluição populista, outro é ignorado pela falta de visibilidade, que exige consenso. Nesse molde, há muito sucesso em Gotta Go e mais ainda nos rumos tomados pela carreira independente de Kim Chung Ha, o esquisito gato de Schrödinger das convenções pop coreanas.


O tom característico da solista está sendo acimentado - e a grande crítica internacional reflete isso. O julgamento consensual que permeou, por exemplo, o último parágrafo da tese de The Bias List ou em mesma nota a conversa acima com o magnânimo, topo-da-cadeia-alimentar Majinkis, revelam a apreensão do comodismo cultural coreano para apreciar tons mais graves por uma reflexão e normalização de vozes muito agudas, que desembocam num carrossel de desbalanços e aproximações de identidades artificiais para as capacidades da cantora.

A realização, na verdade, é mais otimista do que parece: o juízo desconfortável da situação vocal da artista, enquanto autorrepresentável, denota uma tentativa de encontrar meio-termo para as suas facilidades individuais ao invés de retornar à retórica de aproximações de outros vocalistas bem-sucedidos, como é o caso da tentativa inicial de Why Don't You Know emular a essência de TAEYEON - vinda do unânime grupo da nação, Girls' Generation -, por uma mescla das amostras entre os singles I (feat. Verbal Jint) (2015) e Why (2016).

Se replicar uma fôrma de sucesso tem maiores chances de funcionar, a tentativa de prover algo único (e entre quedas e levantamentos utilizar o potencial do cantor) assimila a vontade empresarial de distanciar seu produto da massa. É um ótimo engate filosófico para toda a emoção do crescimento exposto pelo tópico, que com certeza nos prepara para um futuro promissor. 2019 começa sob o impacto de uma intervenção poderosa que Britney Spears é capaz de sintetizar na ponta da flecha: "não uma garota, nem ainda uma mulher", mas certamente uma grande artista em afloramento para se manter no radar.


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