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segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Apropriação cultural?? Com pena e cabana, LOONA invade a Nova Inglaterra e coloniza seus nativos

Numa ideia ontológica, cultura é apropriada e é apropriativa. O ponto de apoio sobre o manifesto contra a apropriação cultural, em rumo mais amplo, está em como essa cultura apropriada vai contra as regras em que é originalmente efetivada ou se é historicamente zombada na forma em que se utiliza, como por exemplo, se um determinado rito é feito em determinada veste, para determinado acordo, ao fazê-lo de forma reduzida pode facilmente ser considerado ofensivo ao nativo ou ao estudioso da prática.

Entretanto, o tópico *internacional* cultural appropriation tende a se perder no personagem: virou-se uma briga de qualquer retratação secundária de uma cultura de nicho, não necessariamente dos vieses em que se propõe.

Nota: Essa é uma conversa de olhar puramente técnico e cabe, ao momento de ser posta a discussão, refletida ou ratificada. Sem nenhum problema. A caixa de comentários, meu e-mail e até perfil no Twitter estão livres para uma boa conversa. Leiam minhas opiniões e façam as suas! 

Hoje na manhã foi iniciado o concerto do novo álbum do grupo LOOΠΔ, fazendo uma retrospectiva até chegar ao lançamento de Why Not?, que de quebra à excitação dos espectadores reviu um assunto não muito otimista: a apropriação cultural.

Não há muito tempo em que as imagens de promoção do álbum [12:00] caiam no mesmo problema: em uma das séries de fotos, a membro Choerry aparecia com um adereço de penas no cabelo, que gerou um alvoroço cósmico por degenerar uma insígnia de nativos norte-americanos. Há de se diagramar a questão, porque ela ganha proporções mais avassaladoras no evento de hoje (19/10 no calendário brasileiro), o Midnight Festivalquando numa porção do cenário havia uma cabana Tipi também associada aos nativos norte-americanos. 

Num globo podemos concordar que é de extremo mau gosto.Tanto porque não cabe de forma alguma com o clipe ou com a música (se exagerar demais na interpretação, o máximo que chegamos é que elas chegaram à terra natal delas... A lua?), como também parte de uma ideia bastante rasa que a equipe do grupo vem trabalhando desde um tempo (com memórias da livestream para a 88Rising) do que é uma "visita ao ar livre", voltando a ideias como "tribal", "acampamento", "habitats nativos". 

Contudo não há e não parece haver nessas composições a intenção da ridicularização do que se referencia. Não dá para negar, na vaga nomenclatura, que se apropria culturalmente, tal qual não há como pertencer a um signo cultural sem apropriá-lo. De fato não tira a correção do acontecimento e vale o dano a quem se sentiu ofendido

A resolução é onde se encontra o problema desse diálogo. Não o é em gritaria numa stream promocional e muito menos atacando o grupo per se. Essas colocações vêm da parte conceitual da empresa e, por si, a própria organização que deixou essas ideias passarem.

Talvez valha a proporção de enviar e-mails padrões (pois imagine receber dois mil e-mails idênticos sobre determinada coisa. Você leria algum?) à empresa, mas falta certa cadência pública ao definir o que um dano cultural.


Tanto nas penas amarradas ao cabelo quanto na cabana de cenário há uma secundarização de atenção a essas peças. Elas estão lá em torno do acontecimento e não são a própria ação. Não está sendo feito, ali, uma reestruturação do significado desses signos ou sua representação. Mais uma vez: escolhas muito rasas, que no entanto são cenários e acessórios que fomentam unicamente as ideias planas que já citamos entre aspas. 

É o exemplo de quando se vai a um local cultural e se posa em frente a monumentos ou captura certos ritos para marcar num álbum ou publicar nas redes sociais. Você possivelmente não estará, assim, fazendo parte daquilo. No máximo participando de uma forma estrangeira. Cai-se ao mau gosto, mesmo não sendo essa a intenção. Todavia, o dano prático desse acontecimento é mínimo.

Em simetria, há muitos anos tivemos yayaya. Até hoje em entrevistas com os dançarinos e cenaristas não há o entendimento do escárnio da peça, apesar de ser muito mais fácil de entender como, ao colocar uma redução da cultura em primeiro plano (se fazendo de nativos, se apropriando do cenário para a visualidade da canção), criam uma ferida mais extensa à cultura referenciada. Emerge à dominação, estruturado na discriminação desses signos. Não vem, esse comunicado, como uma forma de desenterrar o obtuso passado do kpop e nem definir que, por tal, LOOΠΔ está menos errado do que está. 

Ambos estão errados, valendo-se principalmente a presença de um histórico na indústria fonográfica coreana. Ainda assim vale o alerta de diferenciar a chamada da apropriação cultural à sua ação prejudicial. Porque toda e qualquer cultura é imensamente apropriável, ao ponto que se perde a fronteira da estranheza à equidade e é entendível, com certas ressalvas, a segregação de uma cultura para expor e manter sua origem - que tende a vir do medo colonial do uso e reclamação (no sentido de reivindicar) de óticas dominadas. Também temos a perspectiva desses debates só serem validados na voz de um estadunidense, na tendência de eliminar qualquer outra cultura de estéticas similares - ou ignorando peças extremamente caóticas, sem nenhuma ética, de seu mercado doméstico.

Ser questionador, numa existência de atualidade em que há a facilidade de se comunicar e ser atendido, é muito importante para que condições éticas tenham equidade em atenção a todas as partes, punindo (ou exigindo correção) de uma hierarquia opressora e prevalecendo a resistência da comunidade oprimida. O enfoque dessa jornada é como se desviar de plataformas rasas para episódios vindos da ignorância, tornando tudo uma briga pífia que leva a lugar nenhum senão o desgaste da porçã

Por favor, sinta-se à vontade para me corrigir, conversar, adicionar texto. Tentei sintetizar (o que é sempre uma má maneira) ao máximo a grande conversa de que a situação é péssima, porém a gritaria foi muito maior e escandalosa do que a premissa dos acontecimentos. De qualquer modo, é muito importante vocalizar como esses episódios desgastam determinados signos e comunidades, embora isso deva ser feito com clareza e para os meios certos, não num chat do discord ou stream de um concerto. Explicar o porquê e as partes para isso, com exemplificações, é o jeito mais conciso de fortalecer essa mensagem, não unicamente através de spams intelectuais. 

Noutro rebarbo, durante o show, muita gente questionou se, ao atacar as penas de Choerry durante as promoções eles não eliminaram cegamente um problema sem encontrar uma solução cabível. Não acredito que seja apenas um problema da parte pública e que a culpa deva cair sobre tal. A BBC é uma empresa lenta para assimilar os pedidos dos espectadores e deve sim encarar, sem defesas não corretivas, o castigo.

Obrigado pela leitura. Tenha um bom dia!

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