Carregando deliciosas referências da metade dos anos 2000, com Britney Spears, The Neptunes e até mesmo Imogen Heap na pasta do briefing, STAYC está de volta com Metamorphic – um álbum cremoso, açucarado e crocante delineando a metamorfose entre a destemida vida adolescente para a reminiscência advinda das responsabilidades do mundo adulto. Uau!
Embora não esteja sempre emerso no radar, STAYC é um grupo amável e funcional que desde o início trouxe som energético sem desenvolver cansaço. Essa declaração não deveria ser inédita dada a equipe por trás de sua formação: as artistas representam diretamente o duo criativo Black Eyed Pilseung pela empresa High Up Entertainment, que tem em seu repertório, tal qual o resumo dado às meninas, diversão e versatilidade.
O histórico do duo produtor é usualmente relacionado à abertura de portas do ansiado Twice, que sob o agenciamento da empresa JYP Entertainment se propôs estabilizar um som para daí desenvolver amplitudes e conexões fora de casa. Fez-se assim a cama para deitar e desarrumar independentemente da decoração do quarto ao redor. Para formalizar a High Up Entertainment, entretanto, novas condições foram postas em jogo. O sucesso artístico e comercial ilustra a capacidade institucional de Black Eyed Pilseung e se conecta à capacidade de sua produção se manter relevante e estimada, necessitando de variedade e funcionalidade que façam de cada lançamento uma experiência nova vivenciada num mesmo universo.
1. Sobre Cheeky Ice Thang
Cheeky Ice Thang (lead single do álbum) é o modelo ideal para anunciar esse plano, mirando na mistura de todos os ingredientes edificados numa única receita, sem perder, no processo culinário, a harmonia de sabores.
Para seu clipe, a empresa segue um visual conectado às origens das primeiras gerações do kpop, com cenários artificializados, quase maquetes, que muito se diferem do som atual que produzem. O clipe mantém essa tendência, se deixando levar a horizontes maiores de cenas exteriores [ainda que montadas em estúdio] e realistas, pouquíssimas vezes apresentadas no histórico do grupo. É uma ótima decisão editorial para tanto aproximar a experiência STAYC ao público que cresceu com as gerações anteriores de clipes coreanos quanto a atualizar para o que está em voga.
Logo de início podemos impor uma relação ao estilo it girl que vira e mexe se desdobra nos clipes do kpop. Enquanto ele possa se parecer com a relação de autoidolatria como discutida na espetacular ROCKSTAR, de LISA, aqui mais se aproxima da visão para o clipe DALLA DALLA, do grupo ITZY, pela sobreposição de contrastes palpáveis. Propõe versos e versões mais contidas de estereótipos maléficos, como artistas intocáveis e requisitadas sem serem inacessíveis; fashionistas e inspiradoras, embora não de alta-costura. O contraponto inclusive é feito de maneira didática à possibilidade de uma má recepção das imagens que possam criar o sentimento de arrogância às artistas, contrastando suas ações destemidas com confusão. Se são más ou fora da lei, são também desleixadas e desprevenidas.
Claro, isso não deveria ser uma preocupação dentro da interpretação de texto, já que, acreditem ou não, vídeo também é texto e atuação requer tanta interpretação quanto uma frase escrita. Não obstante, de mãos dadas ao título, Cheeky Ice Thang já embarca em seu nome a ideia de atrevimento.
2. Sobre Metamorphic
A necessidade de impor variedade e funcionalidade cai como uma faca de dois gumes que tanto fere a comoção de STAYC ao público doméstico (e talvez assim caia em, mesmo com tantos lançamentos gratificantes, sumirem vez ou outra da atenção da mídia) como também exporta um vocabulário musical robusto e diferenciado. Os lançamentos se complementam sem repetições, fazendo o oposto de estabelecer uma linha reta de som e imagem para desenvolver, em Metamorphic, a amarração para os fios soltos experimentados até então.
Essa já era uma perspectiva manifestada desde a aparição do grupo, com cada lançamento contendo reinvenções de fórmulas muito bem-vindas da faixa de tempo selecionada e certamente bem aprovada no eterno processo de reciclagem que a cultura faz, mantendo a atualidade nessas conexões. Nenhum single do STAYC pareceu arcaico à tecnologia e a cena da indústria musical, embora seja amplificada a liberdade de manter-se mais próximo do material que o guia.
O clichê também não deixa de aparecer, de uma maneira tão proposital que não faz discutir sua necessidade de causa e efeito. De elementos questionáveis nos títulos das canções a todas as gracinhas pertencentes aos espaços das referências (entonações, frases de efeito, melodias…), o álbum é fundamentado como um espaço de pastiche que enquanto dissecado soa horrivelmente anacrônico para 2024, constrói tempo coeso como obra fechada. Isso, entretanto, não evita que, ao falarmos de corpo da obra possamos criticar a continuidade narrativa entre as músicas, que não é bem desenvolvida. Os estilos vêm e vão, com múltiplas velocidades e formatos que, diferentemente da relação de tempo sobre pastiche, só é funcional individualmente. Quando postas uma atrás da outra, as canções digladiam-se.
O duo produtor se encontra num espaço de puro êxtase criativo em Metamorphic, tanto pelo grau honroso às inspirações quanto por estas participarem da carreira de STAYC e da caracterização de crescimento e passagem de tempo que permeia a proposta do álbum. Metamorphic não reinventa a roda e faz bem em sequer tentar este feito! Sua felicidade se encontra em abraçar o tempo vivido nas últimas décadas, que grandiosamente reflete a ideia da pequena metamorfose da vida adolescente para a jovem adulta dos 20 e poucos anos.
Metamorphic (2024) - STAYC | High Up Entertainment, Kakao Entertainmentprós.: aplica seu conceito + faz um ótimo resumo do trabalho do grupo.
cons.: exige sua leitura enquanto álbum - individualmente anacrônico.
★★★★☆ 4/5
👍
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