Apesar disso, era questão de eventualidade escutar esse álbum, em vista de que (o que se pode ser chamado como) minha longa amizade com o grupo não findaria em uma dupla de decisões musicais duvidosas ao lado de todo o brilhantismo construído na carreira das três meninas. Colando isso ao meu novo chamego com o serviço de streaming Spotify, Future Pop teria sua justiça em meus ouvidos durante minha viagem ao interior de Minas Gerais.
Após duas sessões cabo-a-rabo, com bom hiato reflexivo entre elas, eis meu veredito:
Minhas primeiras sessões de artigos - séries, livros, música, filme... - tendem a ser pronunciadas em narrações estamentais pela rede social Twitter (que, duvidem ou não, sou capaz de ser dinâmico e sintético na maior parte do tempo). Não prometo ao todo que essa revisão de minúcias sequer se pareça com a primeira experiência, porém convido as duas leituras ao gasto de verbo. O que talvez se concorde seja minha surpresa ao não cogitar o helenístico nome Future Pop como prepotente ou mentiroso. O álbum se faz - como posso estender para as mesmas posições nominais de Charli XCX - como uma análise do pop do futuro, ainda que numa engenharia distópica e duvidosa do cenário anglófono transportado para as terras japonesas.
Mais próximo disso, o primeiro gole da peça soou inabitualmente terno, que não se esperava - uma gravação ser ouvida como um quebra-cabeças com peças que se encaixam e formam uma imagem coesa ao fim - ao rememorar toda a carreira de desarranjos do compositor japonês, sendo a faísca para abrir um novo olhar do olhar, assentando com algum glamour essa obscura (e nada comemorada) fase de suas produções.
Parte 1. A rosa transgênica Nakata desabrochou - e talvez possamos largar nossas cismas para festejá-lo:
Logo em COSMIC EXPLORER, LP prévio a Future Pop, as revisões mais detalhistas da internet se incomodaram com a surpresa recreativa dos album-mixes (que se prestam em toda porcaria pública de Yasutaka sem muito sentido tátil), eficientes e necessários para a construção da narrativa sonora presente no disco, tampouco que a primeira ouvida não fosse tão positiva (e o explorador todo ressonasse como uma tentativa trouxa do recorde ⊿, de 2009). Essa memória se apagou por aí mesmo, apesar de que valesse mais alguns minutos de atenção: a era pró-DJística do compositor não se desenrola apenas no imaginário do som inspirado e replicado em popa aos moldes americanos entristecidos da música eletrônica, porém numa visão mais mercadológica (e espante-se: um lado bom dela) da construção do corpo sonoro de suas obras.
Se você leu o resumão explicitado em "O cometa Kyary: a explosão e fracasso de uma das maiores aberturas da indústria fonográfica japonesa para o resto do planeta", já deve saber do que estou falando: a visão Nakataniana se pendia mais a uma elaboração formal do som (o que pode-se fazer com mixagens, sintetizadores e vocais para construir uma invenção sinestética) que uma edificação sofisticada para o espectador. Isso é incrível até certo ponto, ao que o público alvo esteja aberto a se adaptar ao experimentalismo (o inverso da trama vendável, em que o som se configura para seu nicho comprador). Entretanto, essa medida cai em dois grandes problemas: o público esperar sempre uma elevação conceitual e, simultaneamente, se decepcionar com diferentes proposições puramente artísticas.
Agora, numa outra faceta, ressurge das réplicas já não tão siamesas, uma linha de montagem em que cada proposta é fechada como álbum e coesa linguisticamente entre si, não uma triagem que usa dos selos musicais e seu sucesso comercial para requisitar ajustes. Desse modo, uma elaboração narrativa pode vir como o alívio tão-necessário para deslocar de vez a assinatura musical entre os conjuntos e naturalizar as gritantes novas fórmulas usadas para cada um. É a premissa esperada para Japamyu, no qual o som é previamente digerido e transformado na ideia de oriente transmutado ao fashionismo da modelo - e, aqui, sua reflexão sobre o futuro do som popular global.
Parte 2. O novo Perfume é uma equalização positiva de seu passado.
Comparar COSMIC EXPLORER a ⊿ não é tão insólito se acompanhar Future Pop como o JPN da nova geração. Perfume está no ar com essa leva distópica há 13 anos, parametrizado pelo major debut Linear Motor Girl. Existe uma sintonia progressiva na gigantesca carreira (de um universo plenamente descartável), ao qual cada lançamento agregava algum tipo de solidificação necessária para chegar, sem surpresas, no som que encontramos agora. Pensando nas confusas camadas vocais inseparáveis do primeiro álbum à coagem maquinalmente individualista (e sempre harmonizada) do último, o trio deduziu uma unidade a vastos termos para desenvolver aos poucos, totalmente contrário ao habitual, favoritismos estilísticos.
Esse é o peso que desbalanceia a proposta de Future Pop e tende a ser negligenciado numa revisão geral dos humores da web, que predominantemente coloca em pauta as questões instrumentais e perde um foco integral da obra. ⊿ subsistia de uma meta fixativamente absoluta, que seria derrogada no álbum seguinte: a fábula de uma liminar natural-humana encontrada na máquina, consequência do idealismo sonoplasta de GAME sobre o humano inserido à máquina. A ilustração era promovida pela baixa fidelidade dos vocais em comparação com à trilha musical, ao qual volume e qualidade diminutas eram remexidos pelo uso de vocoders que sustentassem esse corpus robótico a exprimir sentimentos. É uma leitura muito congruente à diegese homúncula do álbum bounty (2013) do projeto sueco iamamiwhoami, só que linearmente desfalcado a essas percepções formais da cibernética.
Com Future Pop, não existe a premissa de colocar uma abstração na engenharia lo-fi, entretanto uma previsão dúctil do futuro da música. É um som bastante inatural, cuidando de uma infantilização das integrantes descabida à realidade das vocalistas. A extemporaneidade se resolve em bastante interpretações públicas (cabíveis à experiência audível e não somente à prioridade autoral): da crítica à indústria (que primazia não somente uma essência vocal como tal etária) à intangibilidade do grupo nesse despontamento titular de definir o som primitivo que ecoará nas próximas gerações da música de massa.
Do outro lado, a parte instrumental, inesperadamente temos grandes colocações do produtor, não somente para desenvolver os preceitos arquitetados de sua época malandra como também para se habituar ao que será expelido em seus próximos lançamentos. Não reclina em uma onda genérica, entretanto uma formatação do comum e bem feito. É eficiente e levemente satírico, feito Nakata emulando a visão do mundo ocidental sobre o Japão - curiosamente certeiro para Perfume, com sua ligação à trilha sonora de Carros 2 (fidedigna à visão nipônica com um futuro raso).
No mais, este nem de longe cai como um álbum decepcionante. É um disco leve e cronologicamente atual, só que sem perder o charme distópico das crias do DJ. Circularmente, acaba evocando todas as gerações de fãs, com as semelhanças estéticas da voz aos primeiros trabalhos da fusão com a Tokuma Japan e coerente ao cenário construído pelo último álbum de 2016. Nomeando o gado, coexiste uma lembrança a Relax In The City, single de 2015; Baby cruising Love, de 2008; ao bop industrial DISPLAY (do EP de 2014 Cling Cling) e também à miscelânea de 2011, 575.
Future Pop não tem a intenção de explodir cabeças com conceitos extraordinários e visões extremistas dos pormenores de uma temporalidade fictícia, contudo cumpre o organograma de compartimentar diferentes facetagens exploradas anteriormente num grande aquário de coerência. Muitos presumem que esse seja um dos últimos esforços do trio antes de cada participante (no início de seus 30s) seguir outros e mais libertos rumos da vida de ídolo, refletido na tão específica necessidade de argumentar um laço às primeiras e constituintes fases que temos da formação total da banda. De qualquer maneira, acabou sendo uma deliciosa e silenciadora mordaça aos medos da automatização musical de Yasutaka Nakata, que se mostrou capaz de inovar com tenuidade nossas expectativas de constante mudança para o grupo: o Perfume de sempre totalmente novo.
Future Pop (2018) - Perfume | UNIVERSAL MUSIC LLC
prós.: sonoridade coesa + easy listening
cons.: nenhum pancadão destrutivo capaz de mudar a sua vida
faixas sugeridas: FUSION, Tenku (天空), Everyday
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