A impressão de que Gashina, por cima das nuances divertidas e estranhas, não era o suficiente para determiná-la como solista da nação, espalhou-se em ramas ainda mais corpulentas com a posta Heroine, que é fraquinha, fraquinha. As duas contêm uma visão muito limitada trazida pelo rapper, compositor, diretor (aiaiai o currículo) e produtor Teddy Parker (o mesmo de grande porção do catálogo de 2NE1 e BLACKPINK), que a gente morde a língua para entender se é estilo ou se é formulário impresso de firma pra estagiário preencher.
Parte 1. Para entender o folclore do Boto, é necessário compreender a floresta primeiro
Com muita reflexão, dá para misturar um pouco de selvageria com muita remediação: JYP - pessoa e conglomerado -, embora tenha dado mãos à musa, tem um percurso significante de boicotes silenciosos, que Sunmi observou de dentro da cúpula durante sua média estadia ativa na empresa enquanto adolescente no grupo Wonder Girls. Não muito longe disso, cogitar a grandiosa e enigmática experiência de sair de sua zona de conforto, tanto para entender o processo de composição de personalidade de um objeto artístico, como é claro: as tantas outras minúcias - amizades, inspiração? - que existem entre os tijolinhos e que não cabem a nós, olheiros, sequer tomar conta. Disso tudo, chegando a Siren, Sunmi navegava o barco anti a Chung Ha, que funcionava como uma boa tentativa para empacotar nas costas o rosto moderno da nação.
Why Don't You Know (feat. Nucksal) é tão bobageirinha-com-pós-refrão-inexistente quanto o debut da Pholcus phalangioides, só que não tenta simular uma autenticidade fabricada da artista - que precisou de tempo para ser absorvida como realismo da personagem. Roller Coaster, sua sequência, vence pela graça das muitas quedas, partindo do engrish bizarro de início (que vai contra todos os alcances que tínhamos da vocalista enquanto fluente da língua inglesa) a um retorno não objetivo e energético pop padrão solista coreano, que tem a pegada R&B submersa em muitas camadas de synths distorcidos, duvidosos e dançantes. É uma música autossuficiente, com alguma invenção e muito espaço para as habilidades de canto de Chung Ha, que a separa - sem julgamentos - da carreira optada por Sunmi.
Por que uma musicista completa massificou seu caráter enquanto tem algum controle de decisão sobre a própria produção?
A par, Heroine fica sem se decidir sonoramente. A construção instrumental é interessante. mas logo peca por versos muitíssimo preguiçosos. Falta algum tipo de polimento nos ganchos para que a música, de ótimo ponto de partido, não recapitule aqueles sentimentos da demo inacabada, emanado com frequência nas criações da última dupla de anos de Teddy.
O uso do guincho sonoro como parte do instrumental pende na mesma linha tênue de loops de assovio e cornetas: pode diminuir o valor da peça e acaba - em quase todas as vezes - reduzindo mesmo.
[PARÊNTESES]
Isso se faz pela crueldade da crítica e de nada importa se o ouvinte se cativa com a música. Normalmente essas são medidas sem esforço na composição, porque são prontas, encaixáveis como quebra-cabeças e não requerem quaisquer tipos de mudança ou razão editorial para serem enfiadas ali. A menos que tenham motivos verdadeiramente importantes, como a troca de um passo ou
arquitetando um processo sensorial (vide as buzinas de HATE, do 4MINUTE, que ditam o tempo e a experiência sentimental do trecho da canção, ou CONTROL do irredutível CAPS LOCK do duo japonês CAPSULE, no qual a voz de Koshijima Toshiko é fragmentada absurdamente para se tornar um instrumento alienígena indecifrável), essas execuções padecem de uma falta de cozimento técnico que contrasta com quaisquer outras prerrogativas sonoras da faixa. [/PARÊNTESES]
Entretanto, não leia com maus olhos: Heroine é boa faixa, evolução a Gashina como Roller Coaster cresce sobre Why Don't You Know, só que Siren faz o mesmo com muito mais competência e sutileza.
Logo, qual a necessidade de esteira fordista de Teddy Park?
Parte 2. O xaropinho da garota maravilha
O requerimento de se precaver de boicotes a-la samurai de JYP vem mais como um apito de segurança que colocações possíveis da realidade: o sentimento de paz entre Jin Young e Sunmi estava na balança da competição que não deveria ser ignorado - Yubin logo debutaria (com o que viria anos depois a ser a bomba da destruição de moral em Lady (淑女)) e a sobra de Hyelim faria participações em tantos restos de músicas de cafeteria que passam batidas por nós mortais do ocidente. Portanto, o equilíbrio seria inadvertidamente desequilibrado para o lado das sardinhas da BIG3, com mais controle e um conhecimento a longo-prazo da garota que se fazia solista quando ela se fizesse ameaça para o território amigo.
Ainda mais perto, as possibilidades de solistas de fora (que eram, pela época, possíveis extraviadas do infame IOI - incluindo a esquecida no ponto de ônibus Jeon Somi), guardavam em suas carapaças de invencibilidade mídia pronunciada e idade muito diminuta. Sunmi, um grãozinho de arroz de 26 anos já é tia aposentada para se jogar na competição.
É claro que do lado dela tinha o sucesso de uma antiga tentativa de arremate solo, que ladeava a pista a cair no fosso miserável da JYP: sua outra colega de grupo Chapéu de Feno (a Yenny, se alguém se lembrou dela), apesar de um sucesso mediano, conseguiu estabelecer o desvencilhamento empresarial com uma sonoridade muito específica, feito para uma vocalista só e de um nicho no qual sempre cabe mais um. E ela o fez brilhantemente ao conseguir casar, em percalços invisíveis (com reais boicotes da antiga empresa), esse ponto independente a burburinhos pop do renome anterior. O diálogo era que que se você é poptrash mas quer pagar de cult, HAT:FELT é pra você!
A perspectiva de encouraçar o herói de Sunmi foi repetir a primeira (e mais marcante) abertura de solo na parte rival do mercado sonoro, adicionando pesadas colheradas de zombaria ao se prender a um grandioso nome da música (tal qual foi J.Y. Park "The Asiansoul" compondo suas duas faixas de lançamento) com lembranças incivis de Teddy: imediatamente associado à outra parte da BIG3: YG Entertainment.
Nem mesmo os múltiplos furos históricos que JYP poderia assumir a seu favor (como a criação de um boato sobre os motivos da primeira saída de Sunmi da empresa - feito o que aconteceu com Jay Park e HyunA nas mesmas medidas (que você pode acompanhar com muita leveza no artigo Conspiração, Lixão e Catástrofe: o raio X da carreira nu'clear de CLC) seriam capazes de derrubar a garota e suas aparições na mídia se o nome que levantava ela era maciço ao ponto de atiçar o imaginário do público e protegê-la numa bolha de seguridade. O espetáculo nominal munido das músicas abrasivas de memorabília (pois coisas como a semelhança entre Heroine e Fight For This Love, de Cheryl Cole, passam por um mecanismo de toque afetivo superior às acusações de plágio) foi suficiente para catapultá-la para a margem de resguardo público. Sunmi agora é café-com-leite da partida de queimada.
Parte 3. O refrão transformador da sereia
Depois de dois buzz-singles, o aparecimento de WARNING sendo um major-debut em EP predominantemente autoral, cá e acolá com os fantasmas de Teddy, se mostra decisão muito inteligente e bem pensada da cantora. Siren é cuidadosa ao ponto de obter a etiqueta de nostalgia - que logo à largada conversa com a abertura de Look What You Made Me Do, da Taylor Swift (que de alguma forma se tornou integrante fixa aqui do blog), à pronunciada conexão com os flutuantes e adorados anos da década de 80 (e faz tudo soar como um remix oitentista da música da Jararaca ex-country) - transparente ao crescimento audiovisual exprimidos em Gashina, Heroine e a discografia recente do finado Wonder Girls.
O videoclipe continua quirky e funky, não só comemorando os posteriores acontecimentos em Heroine ou Gashina, qual também reformulando tais elementos para um novo enredo caricato - da garota rica esquizofrênica - que é sempre bem-vindo nesse blog (pois somos fãs de CLC). É esdrúxulo de um jeito que se passa confortável como um filme da sessão da tarde, guardando ali todavia uma inteligência irônica, de humor seco, demarcado por metáforas visuais da menina-rosa, os muitos clones abobalhados e a interação entre a protagonista e as sirenes avermelhadas na canção e no vídeo.
Siren é uma música que não caberia no REBOOT ou em Why So Lonely, com um refinamento hodierno que cabe à noção de ter sido revisitada recentemente antes de ser embalada para o lançamento. Para quem não sabe, a track tem o apoio estrutural de FRANTS, compositor assíduo dos últimos charmes da JYP Entertainment, cuja cabeça vagueia esses throwbacks e retrofuturismos dos 60, 70 e 80. Suas criações contaram com muitas pegadas de Sunmi, argumentando um bom trabalho de dupla que revigora na faixa-título do EP: os versos são pensados de um jeito muito clássico coreano, longe da necessidade cármica de apoiar alcance vocal, instinto moderno do kpop, porém é completamente apoiado à indústria por depender do visual para compreender a força da cantora, ao que em jogo está a personalidade dela sobre as canções que preenchem suas aparições. O esqueleto deixa a pergunta de se ela sequer seria possível para incorporar uma banda ao espectro da última formação de Wonder Girls, no que a suavidade da edição para comportar Sunmi e a carga pesada de sintetizadores no lugar de instrumentos analógicos em seu todo diz às entrelinhas uma perfeição que por pouco não a marca como algo que se veria no meio - e não o ponto alto - de um álbum. Soa ingênua a manchete de que essa faixa foi feita para o grupo, numa tentativa monolítica de chamar atenção ou, verificando o cargo de poder, reiterar sua liberdade à frente de JYP, quando, pela linha do tempo, essa construção pertencia - e deveria estar contida - ao grupo de produções.
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Sunmi arregaçando aquele solo em rede nacional |
Atualizada, pela participação ilusória ou simplesmente a diversão linear nos três parágrafos da curta-e-tão-estabelecida vereda da animadora, Siren marca em brasa a boa duplicidade de se fazer autossuficiente para esquecer os singles anteriores ou os ingredientes certos que juntos funcionam numa batida de suco detox. Tudo casa com tudo e isso reflete na organização métrica de Sunmi em serviço. O que a Iris Valverde coreana conversou com o canto da sereia e as sirenes loucas de polícia é que desde o começo havia a carta certa para se classificar como sólida entretainer na Coreia, diluída a colheradas em uma apalermada e inocente comédia temporalmente despretensiosa.
ATUALIZAÇÃO DO LIXÃO ECOLÓGICO: é claro que minha teoria da conspiração não faz sentido algum, porém minha crítica é mantida ao Sunmi, pelo Twitter, publicar a demo original - em grupo - de Siren: se a música foi guardada para atualizar o que era um conjunto para uma canção solista, então por quê manter as pontes de apoio, breaks de rap etc. que criam um vazio desconcertante na faixa total? É essa a conversa que não bate na execução, porque os problemas conversados na entrevista continuam existentes na canção. Isso me faz analisar com certa ambiguidade a qualidade técnica de um delivery solo. A melhor das intenções, como o glorioso majinkis revelou em entrevista exclusiva, é que soa justamente como uma forma de tirar o sentimento Wonder Girls-esco da melodia ao injetar uma porção de trap, numa culatra ideológica que torna o vagão deixado uma lembrança consistente ao grupo que se foi.
De olho, 👁👁
GUNHELMET
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