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sexta-feira, 21 de setembro de 2018

O cometa Kyary: a explosão e fracasso de uma das maiores aberturas da indústria fonográfica japonesa para o resto do planeta

Se você não esteve a par da deliciosa bagunça ao redor da aparição, ascensão e - velocíssima - queda da carreira de Takemura Kiriko - a iconoclasta parnasiana Kyary Pamyu Pamyu -, ao lado de uma das fases mais burlescas e conspiratórias da indústria sonoplástica japonesa, é porque provavelmente em 2011 havia um mundo muito diferente na internet para se prestar atenção: o YouPix era relevante, a Jovem Pan mantinha algum tipo de integridade (ou o que é que considerávamos e deixávamos passar por dignidade naquela época) e o sentimento derrisório estava em todos os cantos: arquétipo dos memes em quadrinhos,  9GAG, expansão doméstica do facebook e aterros virais brasileiros feito Não Salvo e Ñ.Intendo.

Ainda assim, mesmo a um ermitão da web, o intricado momento foi grande demais para sequer não viajar como ondas energéticas: contra todas as possibilidades, uma abertura massiva dos mercados culturais asiáticos que arrombou a complexa linha mercadológica autossustentável ao ponto de chegar com instigantes curiosidades do outro lado do mundo - e aparecer na vida cotidiana pela moda, pela música e pelo... Fantástico. *Plim plim*


Não pensem nem por um instante que em 2011 a Ásia fonográfica começou a existir para o mundo: predominantemente o Japão, China e Coreia já eram sólidas o bastante para manterem estética, espaço e diferenças necessárias para compor a relevância quantitativa para atrair os humores ocidentais a seus produtos. Entretanto, é possível apreender que o planeta, na questão de dupla de anos, se movia com outras propriedades e de outra premência às decisões internas culturais-políticas. Yasutaka Nakata, que é peça importantíssima desse jogo de damas, já tinha olhares norte-americanos sobre, por confeccionar próprio selo (estranhíssimo em todas as perspectivas) e transformar em ouro audível tudo o que tocava, com produções ornamentadas longe de quaisquer realidades cabíveis - bem próximas do estereótipo do Japão utópico -, capazes de chamar a atenção para grandes monólitos do movimento pop, feito a australiana Kylie Minogue, na necessária atualização decenária de estilos silenciosamente imposta pelo mercado estadunidense.

A particularidade estava na construção da noção de sucesso entre os mercados, no qual a Coréia, de edificação quase vingativa, se estabeleceu às margens e sobreposição do espaço nipônico em direção ao mesmo efeito fagócito para os Estados Unidos (com a pior das execuções, se vale minha opinião), hoje muito fácil de se notar com a efetivação do discurso "BTS é pop", cuja entrelinha está em normatizar o estilo para liminarmente por em duelo sua excelência infraestrutural. Logo, nessa época temos a vista dos infames "debutes fora de casa" das grandes cartadas coreanas, feito Wonder Girls, KARA e Girls' Generation, enfiando as botas com força no ambiente japonês e agarrando aos misericordiosos tropeços o momentum nas paradas musicais do Tio Sam, denominando a onipresente e infindável onda Hallyu.

Em contrapartida, o conhecimento do cenário japonês era fortuito, pois não expressava a intenção de se coordenar para as birras preceituais do "jeitinho americano", justaposto esse como o apelo para a mídia se voltar para ele. O problema era que, enquanto moto-contínuo, Japão não precisava de nenhuma aceitação externa para seus projetos, cuja medula funcional era tão específica (dos grupos gigantescos, às músicas para peças de animação, ao mercado muito polido alternativo e um mezanino de divas pop tão exponencial e cativo quanto o dos países anglófonos) que retornava a um círculo cultural engrossado, abominante da tentativa colonizadora (e ainda mais satírico para o disparate histórico coreano, paí brutalmente moldado às formas da potência vizinha) das outras grandes soberanias em crescimento.



Então, num pico relativamente fácil e entusiasmante da web, em que as pessoas ainda trocavam dados com preciosidade informativa à procura de novas terras e não muita autonomia crítica das plataformas de fazer recomendações (ou seja, longe de Plastic Love sendo recomendado para todo mundo no YouTube, mas o sistema coexistindo com programas cliente-servidor feito eMule, Ares Galaxy; blogues e microcosmos sociais como o Tumblr, LiveJournal e Last.fm - todos muito mais antigos do que 2011, porém carregando nas costas forças duradouras que se estimavam inabaladas), a música do Japão era narrativamente brilhante e não muito graciosa de se alcançar. Os arquivos da internet eram quase todos em edições curtas, de qualidade horrível e em linguagem não romanizada. A porta de entrada eram - e ficava com - as aberturas das produções gráficas, não expandindo com muita clareza para os furúnculos de onde a magia forte acontecia. A menos que você tivesse cotas no JPopsuki, muita paciência e algum entendimento linguístico, o pop japonês não iria te abraçar com impacto...  E repare, estamos singularizando isso tudo para a porção popular que tinham a oferecer.

Ser fã de jpop ainda hoje é uma nomenclatura sensível a discutir. São muitas camadas de interação (dos que curtem AMVs e Vocaloids aos preciosistas entusiastas de compositores abrilhantados) que não se misturam, mas tendem a coexistir com inesperada civilidade. O conteúdo ainda é escasso em face ao remediamento midia-friendly da Coréia do Sul, dotada de argumentos mais históricos e sociológicos (abertamente facilitadores na métrica capitalista) - calculados pela conexão desde o início com a corrente tecnológica de crescimento da república -, com um antagonismo quase cômico ao pódio futurístico pelas vendas de singles, minis e álbuns físicos; performances com seus DVDs de arquivo e os mais fora-da-caixa eventos de aperto de mão e contato idólatra.

Até, é claro, o camelo-camaleão Kyary arremessar-se na história, arrecadando maior e mais absurdo imaginário situacional no país. 

Certamente não por talento - que a gente espera até o fim desse texto macerar por completo em justificativas -, reacendendo o potencial sônico japônico que independe da capacidade vocal do artista, mas de confluências sinérgicas entre carisma, conceito e entretenimento. O caldeirão artístico que indiretamente trouxe novas, frescas e questionadoras ventanias às estradas enlameadas do polo ocidental da música.

Parte 1. Caroline Charonplop, a heroína que a gente precisava para os problemas que nem conhecíamos:

A grande felicidade do espaço cultural asiático é a naturalidade com que a produção é apreciada independentemente do espetáculo oeste europeu de talento técnico. Isso difere da não apreciação de vigores específicos, já que corpos musicais - de canto, instrumentais, composicionais - são abertamente bem-vistos pela sociedade, talvez ainda mais celebrados que nos outros cantos do mundo moderno. O diferencial está na constante linkagem com o espectro pop, que é muito malvisto num todo planetário e acabou funcionando por ali, por fator cômico ou econômico. Daí veio um Shinichi Osawa fortíssimo no Japão - sendo autossuficiente na homônima quanto também nos projetos colaborativos (feito Mondo Grosso) -, Brave Sound na Coréia e sabe-se-lá mais quem no lado de China e Taiwan. É artista notificado como artista, simultaneamente DJs, figuras públicas ou pelo menos associadas com elas.

Por aí, afixar a construção de um ícone necessitava equilíbrio em todas as grandiosidades possíveis de mídia, com qualidade para se mostrar relevante como axioma.

Kyary veio do streetfashion - que ainda se apodera como um acontecimento de interesse aos olhos da moda de lá -, num paralelo mais próximo do editorial. É por esse mínimo desbalanço (particularmente inovador de esboços impróprios para a filosofia da coisa) que ela foi frequentemente fronte de capas de revistas eletrizantes para entusiastas juvenis, feito a dupla-a-longa-data com a magazine Zipper, célebre na notificação do maximalismo estilístico de vestimentas, como Decora e Menhera.

Kyary estampando a capa da edição de Outubro da Zipper, em 2011

Sendo vista era, também, falada: o esperado alavancamento de modelo a ídolo veio com freio suave em escanteio, por prévias tentativas horrorosas no mundo da música com um duo de singles mal formatados e desinteressantes em 2010 pela avex em conjunto à UNISOUL, prontamente interrompidas (e senão à voracidade da internet, tentativamente enterrado). Fica um grande buraco de pretensões pendendo entre 2010 e PONPONPON, lançada em julho de 2011, em que não se sabe como ao certo - e exporta a todos os escritores da web um grande espaço para conjunturas - como foi reacendido o potencial de Kyary como cantora após o piloto descalçado da avex. Diz-se, recreativamente inspirado, que grande parte do apelo veio de Nakata, que dividia espaço aos eventos de mídia (que estão sempre muito próximos à moda e à música) prestados por Kyary. Esse grande apreço do produtor pela garota foi abertamente externado numa frequência caótica de vezes.



Independentemente, a fusão entre o DJ maximalista a uma unidade igualmente despolida por camadas foi como manteiga no pão: o som de Kyary Pamyu Pamyu - logo conjunto com o EP Moshi Moshi Harajuku (もしもし原宿) - transpôs organicamente o imaginário das subculturas editoriais vindas da Decora. É interessante se pensar nas interpolações música-estética, em que no Japão muitas vertentes têm primazia ao complementar um som específico a uma geração de beleza - e isso tende a fomentar e subsistir um nicho. Não sendo ainda mais obsceno, é essa a promulgação que gerou o artigo Futuros primitivos na música e é o mesmo sustentáculo de linhagens feito a Visual Kei - Kei, por si, definindo um estilo. Agora, à cultura Decora e seus muitos nichos - os kawaii-qualquer-coisa das animações, dos materiais, das palhetas de cores... -, tinha além do espaço físico, Harajuku, uma sonoridade e uma frontwoman: Caroline Charonplop Kyary Pamyu Pamyu. O efeito acumulador abrigou um novo olhar polarizador, ao qual um tipo de ordem pareceu sistematizar e naturalizar a estranheza desse nó da moda-de-rua japonesa para o ocidente.

Vale notar que mesmo essa conversa toda tem cautela de análise. PONPONPON, apesar da excelência pros parâmetros de um debute, revela o medo que permeia todo o andamento da solista: gastos controlados acobertados por carisma. Não é exatamente um problema inicial - especialmente para o Japão, em que há mais incógnitas nas contas que o clipe e sua notoriedade -, contudo à medida que a carreira da menina vai abarcando mares estrangeiros com maior frequência que os territórios nativos (e essa é uma grande especulação para o porquê do foco tão cartunesco de lançar, agora, um álbum reverenciando o país), a chatice ocidental passa a tomar conta de suas críticas. O que não é espetacularmente caro e narrativo não é interessante.


Veja: a população é muito, muito chata sobre as coisas. Há uma beleza extravagante por toda a cinematografia de Pamyu que vai muito além de um romantismo linguístico da imagem, enquanto se apropria da forma como tal para elevar suas ideias. Parnasianismo ou concretismo se encaixam muito ao entendimento do quê ela trouxe com eficiência para o resto do mundo - e não, não só ela, contudo com importante competência: analisando logo de cara PONPONPON, nenhuma das múltiplas teorias sobre o que ela está ilustrando sobre, em 2011, servem para alguma coisa: sentido não é o essencial para o clipe, entretanto quantos elementos incoesos conseguem ser coerentes entre si, por assimilação de matiz, idealístico, material ou puramente por não casarem de forma alguma. Isso vem muito da moda por folhagem (layering ou qualquer outro termo anglicista para trazer ares pedantes pro corpo do texto) e casa com maestria com a mixagem confusa e distorcida de Yasutaka Nakata.

No bloco sonoro tem um corpo clássico com pinceladas tropicais, um teclado e riffs distorcidos de guia, chiptune, um break de palmas e uma vuvuzela bizarra pra descoordenar a coisa toda. É ultra-pensado de uma maneira divertida, por parecer noviço em maior parte. Todo o EP é icônico a esse ponto: diferentes gêneros dispostos bagunçadamente de forma impecável.


Através da mixagem confusa (até para a época), o álbum é totalmente atual. A primeira ouvida hoje ou em 2011 são atemporais, por peça envelhecida graciosamente perto de outros grandes feitios do compositor, como o celebrado MORE! MORE! MORE! de sua união CAPSULE com a vocalista Toshiko Koshijima (que eu opto por acreditar que o charme está nessa compreensão etária bizarra, que é obsoleto sem realmente pertencer a tempo algum). O sucesso veio como consequência e abriu sala para as muitíssimas aventuras de Kyary - de autobiografia, museu e icônicos contatos com o topo da camada alimentícia das divas pop - como também uma trajetória oposta relevada por suas ações irresponsáveis:

Parte 2. O sucesso de Kyary é, também, a pandora de Nakata.

Com a Warner Music explodindo em ações com o despontamento de Kyary - com total razão de todos os lados, por Kiriko sendo igualmente hábil a Nakata e participando ativamente na construção de sua carreira, expondo suas necessidades e criatividades artísticas para som e imagem -, Yasutaka entrou num círculo incômodo de transformar todas as modelos em máquinas de sucesso, que talvez não tenha funcionado pela não sinestesia entre peões, como na tentativa escassa de repetir os mesmos propósitos à Mori Girl Natsume Mito (em que a crítica da web ojeriza e eu ternamente discordo, mantendo minhas palavras por isso mesmo), na crença de um desbalanço muito claro da retórica do fazer acontecer, em que a aparição com o "Cortei minha franja demais" teve muito de Mito e muitíssimo pouco de Nakata...




































...Ou teve muito de todo mundo, entendendo essa explosão de trabalho de faculdade de artes sendo um bônus criativo pra festa. Mito não é Kyary e joga nas costas muitos erros e acertos de nome e cores próprias. Isso estendeu para outras tantas pessoas, como a implosão inespecífica de Momo Mashiro e sabe-se-lá mais quem. O problema, que talvez a Warner, Sony e Universal se recusem a apreender é: essas meninas não têm o mesmo carisma que Kyary, coisa nem de longe é ruim, apenas diferente e necessitando outro tratamento: embora presenteados com a saborosa bagunça dos xde clipes para Maegami Kirisugita (前髪切りすぎた) - e eu particularmente tenha muito amor pela carreira falida da guria que não fez curso de cabeleireira no Senac -, a subcultura Mori é minimalista ao lado das fatias da Decora, e como tal deve ser executada de acordo. A imagem é dissociativa às construções bagunçadas que Nakata carrega e a falta está em nenhum dos dois, mas na mente empresarial perturbada que não entendeu a legitimidade do "um sapato não serve a todos".

A gente tem de realizar, também, que a rotatória fordista de produções trouxe um desassossego para as métricas do produtor, que em conjunto ao tempo e o próprio estabelecimento da indústria - ditar o que está em voga no momento - resultou na atual época de decepções humorado como a fase ZEDD-Nakata, ou o pico mais baixo (por quaisquer definições para isso) das composições do autor.


Tentativas feito HARAJUKU IYAHOI (原宿いやほい) ou - pensando no universo comandado por Yasutaka - Future Pop parecem desconexos quando comparados aos sólidos CANDY CANDY e LEVEL3, entretanto essa perspectiva passa por uma vulgaridade do espectador em não projetar o macro-contexto das criações: Nakata não perdeu o tato de criador, como se isso fosse uma roupagem que se tira e põe, porém adaptou a fórmula à necessidade comercial que não necessariamente é visto positivamente a curto prazo. A grande intenção do mercado é gerar novos fãs, não somente (ou quase nunca primariamente) guardar com destreza os seguidores veteranos. Assim, readequações fazem parte do contexto pessoal e procedural da criação, visando um estado de novidade. A tristeza dessa máxima é que nem sempre a situação estará em sua maior liberdade criativa e é aí que se encontram as decepções sobre o som genérico da nova Kiriko, por exemplo. Em longa vista, contudo, podemos espectar o esfriamento sonoro de Kyary como uma transição suave para sua era Japamyu, que só trará clareza após a finalização e embalo do álbum completo.

Mesmo assim, há uma inocência na crítica ao estabelecer todo o conjunto de últimos lançamentos da cantora como pouco desenvolvidos, à vertente que Sai&Co (最&高) e Easta (良すた) trazem fórmulas memoráveis de proficiência audiovisual - e as prévias da nova fase (Kimino Mikata (きみのみかた) e Kizunami (キズナミ)) devem ser interpretadas a parte para então digeridas na discografia total.

O cometa Charonplop passou e talvez um dia volte com toda a sua beleza enquanto estivermos vivos. Pode ser até que mantenha sua órbita conjunta à nossa ou sequer volte a navegar em nossos campos nessa dimensão. Japamyu (じゃぱみゅ) não significa o fim da excelência artística trazida pela solista, no entanto requer respiro e análise para entender seus impactos ao planeta terra. De todo modo, cabe aos recém-chegados e aos muito acomodados fazer seus pedidos, esperar pelo melhor e compartilhar as grandes conquistas trazidas pela passagem do corpo navegante ao sistema solar, que não devem ser ignorados pelos percalços da viagem, nesse místico, engraçado e peculiar convite a um novo olhar sobre o inabalável e introjetado mercado audiovisual japonês.

De olho, 👁👁
GUNHELMET

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