Entenda o porquê:
Parece que música dançante no Brasil é sinônimo de preparação para o Carnaval. O axioma é tão potente que uma canção pode dar as caras em um pleno e chuvoso agosto que já temos a certeza de que a empolgação vai ser segurada aos gritos e respirações controladas para estornar em fevereiro e lavar os pés dos pecadores.O produto nativo cai nessas tendências vingativas de verdades cauterizadas que tendem a trivializar quaisquer grandiosidades executivas.
É um episódio praticamente ritualístico que balança a ponte de que a música democrata - às vezes contrária ao prenúncio da própria expressão - é um nicho voltado às singularidades, ainda mais impactante quando a cultura evoluiu de formas interessantemente dissociativas aos seus mecanismos, em que a difusão e crítica das peças giram em torno da internet enquanto distrai-se da rádio e das mídias físicas (com seus discos e gravações de vídeo).
Essa crise do miserável parece ter se acomodado com muita hospitalidade aqui no Brasil, em que o discurso padrão tonteia sob os mesmos parâmetros: se é nosso, não é bom. As palavras são tão demarcadas que em todos os cursos políticos - não se assuste: isso não tem nada (ou minto, tem sim!) com as eleições do dia sete de outubro. O exercício político alcança todas as relações entre a civilização, no pódio hipotético da pólis (que a gente traduz e reduz como a cidade, o espaço habitado) - se criou uma apreensão que impede o brasileiro de progredir em todo o seu potencial. Temos os recursos, o conhecimento e um uso tombado para o nada.
Deixando um pouco de lado minhas próprias convicções sobre a pátria, vale condensar que esse infortúnio pensamento também se aplica para o mercado sonoro, que é tanto um elemento de interação (música é, imprescindivelmente, replicável) quanto um motor econômico: de shows a streaming, aparições públicas e venda de bens de consumo. A plataforma audiovisual de um ídolo é concomitada por soma de comandos midiáticos - e infere o uso da tevê, do computador e todos os possíveis ramos agregados por isso, feito merchandising de diversidades e posicionamentos idealísticos, estéticos e socioculturais. A partir disso, na celebração desse artigo, Pabllo deixa de ser vocalista para validar-se em um nó enigmático de comércio desenfreado, cujos nossos próprios preceitos impedem de potenciá-lo para o resto do globo... refletindo os ganhos às conquistas da nação.
Parte 1. O som alienígena dentro de casa.
Produção brasileira, efetivamente, incorpora qualquer lançamento feito para - e majoritariamente emitido - o público brasileiro. Seu sucesso comercial e aceptativo valida imediatamente todo o processo de construção que é atribuído, muito além do artista, à cultura e semelhantes que o país tem a oferecer. Pense, por exemplo, que como leitor assíduo (ou assim esperamos que se torne após especular muitas de nossas lamúrias escritas), você provavelmente é fiel a sons ecoados dos outros lados da maré, manufaturados do oriente e do lado norte de nosso continente. A música forasteira requer diligência para apossar-se de desconhecimentos linguístico-culturais e encontrar um firmamento lúdico, enquanto na realidade doméstica conhecer a voga particularmente não exige ânimo de conquistas efetivadas pelo hábito de estar. Ao concordar com um som - digamos, o trio electropop Perfume -, o usuário provavelmente se arremessará numa série de sugestões similares ao DNA do comboio e provavelmente se aproximará de grupos como Callme e CAPSULE.
Transportando a mesma filosofia, enquanto formos gringos para alguém, o instinto natural é apoderar de música parente e toda a instalação que carrega: feito a língua, visualidade e colaborações. Apesar do exemplo, a música japonesa sofre de problemas tão parecidos em seus resultados quanto os nossos, como relacionado no tópico O cometa Kyary: a explosão e fracasso de uma das maiores aberturas da indústria fonográfica japonesa para o resto do planeta (phew! Que tamanho de título!), em que o espaço mercadológico de lá é envolto por questões culturais muito solidificadas que impedem a extrapolação das fronteiras do país. Embora não sejam as mesmas pautas, no papel se torna equivalente e talvez por isso sejamos muito capazes de nos relacionar ao espectro.
A atmosfera do outro lado do comprimento da Terra é tão catastroficamente diferente que a falta de relatividade seja o que muitíssimo nos tornem a mesma coisa. Levando isso em conta, analisar o crescimento despontante do kpop ou os bloqueios do pop nipônico sejam justamente a medula óssea para explicar nossas próprias tentativas de exportação de produto: como no levantamento coreano, a necessidade de assemelhar aos acertos e rédeas estabelecidas nos dois maiores cenários (o misto entre a forma de composição maquinal americana com a imposição da teatralização das personalidades japonesas), cai aqui em emular diegeticamente o pódio que é caracterizado como relevante enquanto de alguma forma - tímido para não exaltar, mas não o suficiente para se perder - imprime elementos naturalizados em nosso território para manter a originalidade desses frutos, para que não terminem na temida chacota - e mais esperada de se reincidir - do plágio transladado.
Com Pabllo Vittar em foco, é possível fazer a retrospectiva de que sua aparição foi dada através da releitura de Lean On, de Major Lazer e DJ Snake em parceria com a cantora dinamarquesa MØ, em Open Bar - e daí pra frente estabeleceu a linha-guia de sua carreira: a apropriação do conhecido e bem recebido EDM norte-americano com salpicadas brasileiras. É a efetivação do discurso necessário para a sublimação contemporânea da música pop do Brasil, que permeou seu primeiro álbum de estúdio, Vai Passar Mal, e não diferentemente é concordado nessa segunda aparição, impactando com matizes ainda mais abrasileiradas que tornam o som coerentemente nosso, em que o nome já expressado lá fora se faz face brasileira para o mundo, ao invés da mecânica transposição sonora para despontar no exterior, sem muito sucesso, que atravessou o pensamento no passado para artistas como Wanessa. Todavia não é um raciocínio tolo, em que o estereótipo estadunidense reproduz uma resistência a quaisquer diferentes culturais enquanto não apropriadas e descalcificadas pelo formato americano de elaboração, apesar dos resultados serem escusos e limitados a um curto período de relevância. Tudo isso reflete muito na história dos dois países - o brasileiro optando por soluções rápidas e sem impactos sedimentares; o desenvolvimento norte-americano através da fagocitose de etnias -, ao qual as formas de cultura em massa, especialmente atreladas ao polo sensorial da mídia audiovisual, estruturam ilustrações das formas como grupos sociais lidam com o espaço ao redor.
Embora mantenha uma sonoridade bastante familiar com os outros trabalhos de Pabllo, Não Para Não convergiu com fórmulas de experimentalismo abertamente apreendidas para esse estágio de follow-up. É inegável a qualidade de composição das faixas, que em momento algum diminuem o espectador pelo seu arco de entretenimento. A forma com que o álbum é inteligentemente lúdico, com um gancho respeitosamente satírico a essa conversa com o pop internacional (como a alusão entre Disk Me e o dizer "Diz que me...", a junção não convencional de composições modernas reunidas em ritmos polarizados - de um axé eletrônico dançante ao moombahton, por pontuações vocais sertanejas durante a cumbia - e a brasileiríssima operação de colagens e costuras vindas com brilhantismo do technobrega), se mantendo inesperadamente nativo ao promulgar o português brasileiro em todas as canções, no que de alguma forma era esperado pelos entusiastas que as manifestações do lado de fora iriam corromper o júbilo aportuguesado das músicas. Com bastante prazer crítico, o som costurado é tão autêntico que não importando a linguagem a imagem engessada é pátria - e isso diz muito sobre o porquê de no amontoado da música pop - ou ainda mais fundo, no nicho de som vindo da comunidade LGBTQ+ - Vittar se mantém solidificado. É, acima de tudo, sem a pretensão de vedar num ninho cultural (que não é de forma alguma problemático, mas exige, para o público comum, conhecimento de singularidades glossologistas e sociais, que acabam indiretamente repartindo a atenção do produto cultural a um grupo específico), ao lado de que o conteúdo não é diluído na disposição mercadológica, entretanto acomodado à melhor e visível pontuação dos dois lados.
NPN - como apontado nas capas dos vídeos das canções impressas no YouTube - traz muitos charmes irônicos à filosofia estadunidense de tratar a música, sem em hora alguma diminuir a honestidade do lançamento: é, por essa filosofia de trazer o novo pela confecção de ideias primas, inevitavelmente brasileiro.
As grandes ressalvas se encontram na modularidade do álbum: a parte física que o torna propriamente um lançamento long play. As canções todas com menos de 3 minutos dialogam a um cuidado radialista das peças - o entendimento que, no geral, a adaptação para rádio é uma suntuosa necessidade para a música estadunidense, mas virtualmente defasado por aqui -, de uma forma um tanto duvidosa que faz parecer o conjunto todo como um golpe de segurança na execução. Não somente é mais fácil de aderir a uma música curta como também evita a necessidade física dela, em que Não Para Não é presumido a uma ouvida siamesa às plataformas de download e streaming. Objetivamente isso não é um problema, apesar de conformar com a necessidade de resultados imediatistas da produção enquanto a visão totalizante tende a tomar esse efeito metonímico como realidade: se a nata do segmento geral da música convenientemente está abandonando os processos físicos, então essa impressão será utilizada pelos moldes dos artistas recorrentes.
Mesmo a métrica do CD põe às dúvidas sobre a classificação dele, em que facilmente poderia ser um surpreendente extended play - que contribuiria para o sentimento de coesão corporal, na quase derrapada da reta final de temas e gêneros -, inflexão usada com muito receio na atual geração de produtos sonoros ocidentais, que costumam dar as caras como introdução a um artista, carregando silenciosamente o status da comporta segura de uma pesquisa de mercado. O excelso MTV-ístico esteve no começo da carreira de Pabllo, como agora também no debute de corda da modelo Ellen Milgrau e, veja só o tabu: até mesmo o suspeitosamente aclamado retorno de Kim Petras em TURN OFF THE LIGHT, VOL. 1 foi taxado como uma mixtape, ao invés de um EP, mesmo sem fita ou mixagem de coisa alguma.
Entendam a diferença: apesar de aflorar o quão curtinho - e, portanto, celebratório para uma diversão sem muito pensamento - era o último álbum de Kyary em REVIEW: mesmo com todos os problemas de sempre, Japamyu segue como um dos lançamentos mais divertidos de Kyary Pamyu Pamyu (Prosseguindo com: leituras de título que precisam de uma bombinha de asma para apoio), o impacto econômico é totalmente oposto, porque lá a gravação de som de um cuspe, com 15 segundos de duração, venderá milhões de cópia como single físico, porque a interpretação da indústria é convenientemente diferente e complexa em seus próprios termos à nossa. Na ironia clássica das terras tupiniquins, temos um dos maiores suportes midiáticos mundiais: uma TV de qualidade insuperável, produção técnica - musical, imagética, literária...- soberba e, num descaso incoerente, nenhum uso formalizado dessas estruturas. As plataformas físicas ficaram obsoletas rápido demais, junto com o costume de ouvir à rádio e acompanhar o cenário do som na tevê, reduzido a esporádicos shows de fim de ano na globo e dando lugar integral à internet, ao YouTube do celular. Particularmente é uma interação curiosa de projeções inusitadas para um país de cultura tão sociável se apoiar em recursos unitários de expressão musical.
Propositalmente por essa conformidade, o EP é visto no oriente como uma forma de encapsular uma ideia, não unicamente pelo fator protetivo de se manter como um trabalho mais curto. A ênfase narrativa se mantêm no processo eletivo do objeto de consumo, desde a unidade sonora à interpretação dela para a vida de seus artistas (se vale como crítica, a milimetração do contexto do ídolo se tornou tão consciente ao nível de extrapolar a personalidade dos indivíduos detrás da criação, em que o extremismo pela arte - ou mais ainda: pelo comércio dessa arte - é um comportamento depreciativo que deve ser analisado sob olhar arguidor). A mesmo norma é adotável ao apelo visual, cuja narrativa gráfica é desnivelada perante os outros instrumentos sonoplásticos em comparação. A incoerência circunscreve os quesitos de pré e pós composição, ao olhar de que o conteúdo fórmico (a direção e operação da imagem) é domada, pecadora às ideias mau desenvolvidas de estereótipos puramente filosóficos da imagem. A crueldade da fraqueza da peça é disposta num caminho percorrido pela mais difícil metade: o irremediável bom uso da metodologia aplicado sem substâncias impressionantes.
O pop brasileiro nunca esteve de brincadeira e não há nenhum motivo além do próprio afastamento de seu povo pertencente sobre as peças produzidas que impedem de justificar a qualidade das nossas terras. Pela qualidade impecável a um encantamento aberto para todos - não objetivando um público alvo, no discurso apaixonado de Pabllo Vittar de receber todos à sua própria imagem-, exige-se uma fissura das portas sui generis para encontrar a atenção do resto do globo. A despeito do receio incontestável das grandes economias de atender quaisquer desenvolvimentos estrangeiros, os humores profissionais brasileiros são imensamente resilientes em contraste à robotização sofrida pela música popular mundial, que eventualmente será engolido pelos suas devidas realizações. A tagicomédia que paira no ar é se - ou até quando - necessitará o resto do planeta nos afirmar nossos predicados.
Não Para Não (2018) - Pabllo Vittar | SONY MUSIC ENTERTAINMENT BRASIL
prós.: estética polida + som gringo em músicas divertidamente brasileiras
cons.: álbum e músicas curtas - transições incoesas
faixas sugeridas: Seu Crime; Disk Me, Ouro (feat. Urias), Miragem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário